O projeto Roteiro CLABL - disponível em roteiro.clabl.pt - constitui uma homenagem profunda à obra e à sensibilidade de Agustina Bessa-Luís, uma das figuras mais marcantes da literatura portuguesa do século XX. Sob o título Rota Literária, Geografia Agustiniana, este projeto propõe uma leitura do território através das palavras da autora, revelando como a paisagem do Norte de Portugal se tornou palco e personagem na sua escrita. Mais do que um percurso físico, trata-se de uma viagem interior, uma travessia pela alma da escritora e pela essência cultural do país.

O Espaço e a Identidade na Obra de Agustina

Desde os seus primeiros livros, Agustina Bessa-Luís demonstrou uma atenção singular ao espaço que habitava e descrevia. A sua literatura não se limita à geografia - expande-se através dela. Os lugares são mais do que cenários; são extensões do pensamento e do carácter das personagens, símbolos de uma identidade coletiva e pessoal. A cidade do Porto, o Douro e o Minho surgem como territórios onde o tempo parece suspenso, permitindo à autora explorar os contrastes entre tradição e modernidade, entre a permanência e a mudança.

Como recorda Mónica Baldaque, presidente do Círculo Literário Agustina Bessa-Luís, esta rota literária pretende ser um contributo memorialista, uma forma de seguir os rastos das paragens inspiradoras da autora e de perpetuar o diálogo entre a literatura e o território. O que se move nas suas narrativas não é apenas o corpo das personagens, mas a alma que habita todos os lugares e todos os tempos. Essa dimensão universal torna a sua obra intemporal e profundamente enraizada no humano.

O Porto, o Douro e o Minho - Os Três Eixos da Geografia Agustiniana

O Roteiro CLABL conduz o visitante por uma trilogia de paisagens simbólicas: o Porto, o Douro e o Minho. No Porto, Agustina reconhece o palco urbano da sua juventude e dos seus retratos sociais - ruas, praças e edifícios que se tornaram parte do seu imaginário. Locais como a Rua da Boavista, a Praça da Liberdade ou a Rua das Virtudes testemunham o pulsar da cidade e as contradições de uma sociedade em transformação. Já o Douro e o Minho representam a vertente introspetiva e ancestral da autora - o espaço da memória, do trabalho e da contemplação. É ali, entre quintas, vales e rios, que o espírito agustiniano se revela em plenitude, dialogando com o silêncio, a solidão e o sentido de eternidade que percorrem a sua obra.

Esta geografia literária não é um mero exercício cartográfico. Cada ponto do mapa reflete uma visão do mundo, uma forma de compreender a condição humana. As obras A Sibila, Os Incuráveis, Vale Abraão ou Dentes de Rato são exemplos de como Agustina transformou o território numa metáfora existencial. O espaço físico serve de espelho ao interior das personagens - lugares que são ao mesmo tempo prisão e libertação, onde o destino se cumpre entre o real e o simbólico.

Uma Iniciativa Cultural de Memória e Envolvimento

O Círculo Literário Agustina Bessa-Luís (CLABL) surge com a missão de preservar e divulgar o legado da autora, criando pontes entre gerações e promovendo o diálogo entre a literatura e a sociedade contemporânea. O Roteiro CLABL insere-se nessa missão, como projeto de valorização cultural e turística, apoiado pela Fundação Millennium bcp no âmbito do seu programa de mecenato. Esta parceria reforça a importância do envolvimento das instituições na preservação do património cultural, tornando a literatura um instrumento ativo de conhecimento e de identidade nacional.

Ao propor esta rota literária, o CLABL contribui para um novo olhar sobre o património imaterial português. A leitura de Agustina é aqui complementada pela experiência de percorrer os mesmos caminhos que inspiraram as suas obras. Caminhar pelas ruas do Porto ou pelas encostas do Douro é, neste contexto, revisitar o pensamento da autora, compreendendo melhor o equilíbrio entre o realismo observador e a introspeção filosófica que definem a sua escrita.

Entre o Passado e o Futuro da Cultura Literária

O Roteiro CLABL simboliza a continuidade de uma herança literária e cultural que se recusa a ser esquecida. Ao fundir literatura, território e memória, o projeto reafirma o papel da palavra escrita como instrumento de permanência e transformação. Através da leitura e da viagem, o público é convidado a participar num exercício de reconhecimento - reconhecer o valor da obra, o poder da imaginação e a relevância do património cultural que Agustina nos deixou.

Mais do que uma homenagem, trata-se de um gesto de resistência cultural. Num tempo marcado pela aceleração e pela desatenção, o Roteiro CLABL propõe uma experiência de pausa e reflexão, onde a literatura se reencontra com a vida e a paisagem se converte em narrativa. É um convite à contemplação e à consciência de que o legado de Agustina Bessa-Luís permanece vivo em cada leitor, em cada viajante e em cada lugar que ainda guarda o eco da sua voz.

O Roteiro CLABL é, assim, um testemunho da força simbólica da literatura portuguesa - uma forma de eternizar a memória de Agustina e de preservar o elo entre o espaço físico e o espírito criador que moldou a sua visão do mundo.